Após quase 7 anos morando na Espanha, já me deu tempo de viver algumas experiências de trabalho e entender um pouco sobre como funciona o mundo laboral neste país. Por isso, decidi contar nesse post um pouco sobre o tema.
Por sorte, desde que cheguei à Espanha sempre consegui trabalho na minha área de formação (Letras), mas tenho plena consciência de que essa realidade não é a mais comum para os imigrantes, especialmenete para os que vêm de países da América Latina ou África, por exemplo.
As duas funções profissionais com as quais tenho mais experiência são como professora de idiomas e como analista linguística, e mais adiante vou contar como é trabalhar especificamente com isso. Antes, quero comentar um pouco sobre em que situações um estrangeiro pode trabalhar na Espanha e como funciona as relações trabalhistas de forma geral.
Permissão de trabalho na Espanha
Para que um estrangeiro trabalhe na Espanha "por conta ajena", ou seja, trabalhe para uma empresa, e não como autónomo, é preciso que tenha uma permissão de residência que dê direito ao trabalho.
Quem tem qualquer nacionalidade da União Europeia pode solicitar residência na Espanha como cidadão comunitário. A obtenção dessa residência, que é feita uma vez já estando em território espanhol, garante que a pessoa possa trabalhar.
Os cônjuges de cidadão espanhol que consigam residência como familiar de comunitário ou por arraigo social também ganham uma permissão de residência que permite trabalhar e que é tramitada diretamente na Espanha.
Outras situações menos comuns são de profissionais que trabalham em alguma empresa espanhola fora do país, ou em multinacionais, e que são transferidos ao país. Ou seja: obtêm o visto de trabalho antes de vir morar na Espanha.
Recentemente, a Espanha também mudou a lei para o visto de estudante, dando direito a que o estudante maior de 16 anos possa trabalhar até 30h semanais sempre e quando o trabalho não afete o rendimento dos estudos. Esse visto também deve ser obtido antes de vir morar na Espanha.
Horários, tipos de contratos, direitos e benefícios
Quem começa a trabalhar na Espanha e está acostumado com o Brasil vai se dar conta facilmente que há muita coisa diferente quanto aos horários, tipos de contratos, direitos e benefícios ao trabalhador.
Começando pelo horário, assim como em toda parte do mundo, há uma grande variedade de turnos na Espanha dependendo de em qual setor o profissional atue. O trabalho "em escritório" geralmente segue um horário que permita que os adultos encaixem na sua rotina as necessidades dos seus filhos. Isso serve tanto para trabalho em escritório de forma presencial como de forma remota (trabalhar a distância, desde a pandemia, tornou-se cada vez mais comum na Espanha).
Com isso, a maioria das pessoas que trabalha em escritório faz o horário das 8h às 16h sem parar oficialmente para almoçar. Na Espanha, quem trabalha 8 horas diárias tem direito a uma pausa de 20 minutos, mas se a pessoa não quiser fazer essa pausa, ela não precisa fazê-la. Caso decida fazer uma pausa maior do que 20 minutos, não há problema, mas é preciso compensar as horas de modo a somar 40h de trabalho ao final da semana.
Funcionários públicos costumam ter um horário um pouco mais curto: geralmente as repartições públicas ficam abertas das 9h às 14h.
Em setores como comércio ou restaurantes é onde pode haver maior variação horária, e é muito comum que te contratem para o chamado "turno partido", ou seja: para trabalhar umas 5 horas pela manhã, ter uma pausa de 2h a 3h durante a tarde, e logo voltar para mais um turno de umas 2 a 3 horas à tarde/noite.
Para além dos horários de trabalho na Espanha, outro ponto que pode chamar a atenção de quem vem trabalhar no país é o fato de que não é necessariamente fácil encontrar trabalhos com horário completo (8h ao dia). Como a Espanha permite vários tipos de contratos, entre eles os temporários, os "fijos descontínuos" e os "intermitentes", muitas empresas contratam pessoas para horários ou épocas muito específicas e é bem possível que te peçam para trabalhar apenas algumas horas na semana de forma irregular (por exemplo 3h na segunda, 2h na quarta e 2h na sexta).
No meu ponto de vista, qualquer tipo de contrato que não seja "indefindo" é o pior que uma pessoa pode ter, pois a forma como as horas de trabalho são repartidas durante os dias quase nunca te permite conciliciar mais de um trabalho. No Brasil, quando uma pessoa tem um contrato num lugar para trabalhar menos de 8h ao dia, geralmente se tenta concentrar as horas num mesmo turno (por ex. seg, quarta e sexta de manhã) e com isso sabemos que podemos buscar outro emprego que nos permita trabalhar a tarde ou a noite. Já na Espanha, essas horas podem ser distribuídas de forma completamente aleatória (2h de na segunda de manhã, 3h na terça a tarde, 2h na quinta a noite etc...)
Outo fato que chama a atenção na Espanha é em relação aos benefícios. No Brasil, o trabalhador está acostumado a ter vale-refeição ou alimentação ou cesta-básica, além de receber um valor referente ao vale-transporte. Aqui na Espanha, o empregador não está obrigado a fornecer nada disso. Assim, é do valor do seu salário que você deve descontar qualquer despesa referente a transporte e alimentação.
Existe até alguns planos conhecidos como "retribuição flexível", no qual a empresa faz convênio com algum provedor de cartão pré pago para disponibilizar um valor mensal que pode ser usado em transporte ou alimentação, mas o teto de gasto estabelecido neste cartão é descontado diretamente do salário do trabalhador.
Sobre as férias, por lei o trabalhador deve tirar ao menos 10 dos 30 dias de férias durante os meses de verão (entre julho e setembro), os demais dias podem ser tirados todos juntos ou repartidos ao longo do ano.
Para os feriados, muitas empresas (geralmente as que não são do setor de comércio ou serviços) permitem que os dias livres sejam alterados dentro de um período que compreenda os 30 dias anteriores ou posteriores ao feriado. Por exemplo: se você quiser trabalhar no dia 25/12 (Natal), poderá usufruir do dia livre em outra data (entre os dias 25/11 e 25/01) desde que avise a empresa e essa aprove a mudança. Como já dito, não é em todos os setores que isso ocorre, mas ao menos os trabalhos de escritório costumam ser flexíveis a esse ponto.
Taxa de desemprego na Espanha
Se você pensa em morar na Espanha e pretende arrumar emprego aqui, é importante saber que a Espanha é um dos países da União Europeia com maior taxa de desemprego, principalmente entre a população jovem. Por aqui, esse índice de desemprego é conhecido como "paro", pois representa aquelas pessoas que estão "paradas", ou seja, sem atividade econômica.
A cada mês é possível conhecer os índices de paro no país com dados oficiais do governo,
como os que estão descritos neste site. Em outubro de 2023, eram mais de 2 milhões e 700 mil pessoas sem trabalho no país, sendo o setor de serviços o que mais emprega e o da construção o que menos. A região de Madrid é onde menos desemprego houve, enquanto que a Andaluzia é onde mais desemprego houve.
Médias salariais
A
média salarial por mês na Espanha é de 1923,60 euros segundo
esta reportagem do ano de 2022. O
salário mínimo oficial do país é de 1080 euros para quem trabalha 40h/semanais. Esses valores refletem a realidade de quem tem a sorte de ter um contrato do tipo "indefinido" e uma carga horária completa. Como comentado antes, na Espanha há diversos tipos de contratos e nem sempre dá para garantir esses valores mínimos, pois quem trabalha por horas soltas ou de forma sazonal acaba ganhando de forma proporcional ao tempo trabalhado.
O valor a receber de salário também vai variar muito dependendo da região para onde você se mude. As comunidade autônomas com os maiores salários registrados em 2022 foram o País Vasco seguida de Navarra, Madrid e Catalunha. Obviamente, são comunidades com um custo de vida mais caro. Já Extremadura, Ilhas Canárias e Castilla la Mancha são as três regiones com os salários mais baixo.
Trabalho de professor de idiomas na Espanha
Como comentei no começo deste texto, uma das funções profissionais que já exerci na Espanha foi como professora de idiomas. Eu dei aulas em duas escolas diferentes, uma que fica dentro da Universidade e outra que é uma escola comum, do tipo CCAA ou Fisk. Minha experiência foi tanto com o ensino de inglês (que aqui na Espanha é focado sobretudo na variante britânica), quanto com o ensino de português (que tem pouca demanda e, quando há interesse, é principalmente pela variante portuguesa, devido à proximidade com Portugal).
Para o trabalho de professor de idiomas em escolas particulares (as chamadas "academias de lenguas"), o tipo de contrato mais comum é o intermitente. Geralmente, as escolas contratam os professores de idiomas por um tempo determinado, que correspondem aos chamados "cuadrimestres" na Espanha, que são os blocos letivos de 4 meses. Quase sempre a demanda maior para aulas de idioma se concentram entre os meses de janeiro a abril e de setembro a dezembro. Isso significa que nos meses de maio a agosto muitos professores ficam sem nenhuma atividade remunerada, a não ser que consigam dar algum curso intensivo de verão em junho ou julho.
Os professores de idiomas costumam ganhar por hora-aula, e isso significa que ganham pelas horas passadas dentro da sala de aula, não se paga pelo trabalho de preparação de aula e nem pelo trabalho posterior de correção de atividades. O valor da hora-aula varia em cada região e até mesmo de escola para escola, mas diria que o mínimo aceitável seria a partir de uns 15 euros por hora para um professor iniciante (apesar de já ter visto ofertas que pagam menos do que isso).
A grande maioria das escolas de idiomas particulares são focadas no público adulto, já que as crianças e adolescentes constumam ter educação bilíngue tanto nas escolas públicas como nas particulares. Com isso, o que as escolas de idiomas oferecem é sobretudo preparação para certificados oficiais, como as provas da Cambridge, o TOEFL ou o Aptis de inglês, ou o DELE de espanhol. Esses certificados são demandados dos espanhóis tanto para a finalização da faculdade e obtenção do diploma, como em concursos públicos, por isso muita gente tem interesse em cursos preparatórios.
Com isso, é muito raro uma escola de idiomas particular que ofereça a aprendizagem de idiomas desde o começo (nível inicial, intermediário e avançado).
Trabalho de analista na Espanha
O outro tipo de trabalho que conheço, que é o que exerço na Espanha desde 2020, é como analista, no meu caso, como linguista computacional, que, explicado em poucas palavras, é a pessoa que se ocupa de permitir que a tecnologia possa entender e responder ao ser humano (como acontece com os chatbots, por exemplo). Com a pandemia, essa área começou a ganhar força não apenas na Espanha, mas no mundo todo.
Essa vaga que consegui é de trabalho remoto e com um contrato melhor (do tipo "indefinido"). Tudo o que eu expliquei quando comentei sobre o "trabalho em escritório" na seção Horários, tipos de contratos, direitos e benefícios explica mais ou menos as condições em que trabalho atualmente, com a única diferença de que, ao ser remoto, não tenho que me deslocar e posso trabalhar 100% do tempo de casa. No meu ponto de vista, é uma experiência muito mais interessante tanto pelo aspecto econômico, quanto pela possibildade de conciliar vida pessoal e profissional.
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